Por que George Harrison escreveu tão poucas músicas para os Beatles?

Durante os primeiros anos dos Beatles, George Harrison seguia uma espécie de filosofia pessoal: “Faça o que eu digo, não o que eu faço”. Mas, ao contrário do sentido comum da expressão, não se tratava de hipocrisia ou de maus exemplos, e sim de seguir as diretrizes musicais estabelecidas por John Lennon e Paul McCartney sem tentar competir com a genialidade da dupla.
Afinal, por que ele iria querer mexer em uma fórmula de sucesso? O grupo vivia um auge criativo e comercial, emplacando sucesso atrás de sucesso e garantindo ganhos financeiros substanciais. Nesse contexto, Harrison parecia ter o trabalho mais tranquilo do grupo — desfrutar da fama, receber aplausos e seguir com sua carreira sem a responsabilidade de criar as músicas que sustentavam o sucesso dos Beatles.
Mas é claro que um músico de verdade não se contenta apenas com os holofotes. Criatividade é uma necessidade, não um luxo, e Harrison não era diferente. Qualquer impulso criativo que surgisse dentro dele encontrava o solo fértil dos estúdios compartilhados com Lennon e McCartney, um ambiente ideal para que seu talento florescesse.
“Para ser honesto, se eu não tivesse estado com John e Paul, provavelmente nem teria pensado em compor, pelo menos não tão cedo”, contou Harrison à revista Guitar World em 1992, relembrando os primórdios da banda. “Eles estavam compondo todas aquelas músicas, muitas das quais eu achava incríveis. Algumas eram apenas medianas, mas, no geral, era material de alta qualidade. Pensei comigo: se eles conseguem, eu também posso tentar.”
E quando encontrou seu ritmo, Harrison presenteou o mundo com alguns dos momentos mais memoráveis da discografia dos Beatles. “Something” e “Here Comes the Sun” são clássicos incontestáveis, e devemos a ele essas pérolas. No entanto, essas contribuições levantaram uma pergunta inevitável: por que ele escondeu esse talento por tanto tempo?
A verdade é que não existe uma única explicação para o número limitado de composições de Harrison no catálogo da banda. Em parte, ele estava sob a sombra de uma das parcerias mais prolíficas da história da música. Em um estúdio onde os egos certamente se faziam presentes, conquistar espaço nos álbuns dos Beatles era um desafio — principalmente quando isso significava tirar faixas de Lennon e McCartney.
Nos primeiros anos, a falta de confiança também teve um peso significativo. Desde o primeiro disco, Lennon e McCartney mostraram sua capacidade de criar hits com facilidade. O público rapidamente se tornou exigente, esperando genialidade a cada lançamento e rejeitando qualquer coisa aquém disso. Para um jovem como Harrison, essa pressão era imensa.
Ele mesmo admitiu essa insegurança: “Tinha dificuldade em dizer para o John, o Paul e o Ringo que eu tinha uma música para o álbum, porque parecia que eu estava tentando competir. Eu não queria que os Beatles gravassem algo ruim só porque fui eu que escrevi — e, ao mesmo tempo, também não queria gravar algo ruim só porque eles escreveram. O grupo vinha em primeiro lugar.”
Tudo começou a mudar após sua viagem transformadora à Índia em 1966 e o contato com o músico Ravi Shankar. A experiência despertou um novo olhar artístico em Harrison. Ele voltou com uma bagagem criativa mais rica e madura, o que tornou ainda mais difícil para Lennon e McCartney limitarem sua participação.
Ao final, George Harrison talvez não tenha escrito tantas músicas quanto os outros dois Beatles, mas quando o fez, mostrou ao mundo que sua voz criativa merecia destaque. Sua trajetória dentro da banda é a prova de que, mesmo à sombra de gigantes, é possível brilhar com luz própria.